Um corpo no mundo
por Elenita Sales
Esse é um relato sobre meu território, meu corpo, no mundo.

Tupã, 17 de Abril de 1998, esse foi o dia que nasci, em uma cidade do interior de São Paulo. Era pra ser mais um nascimento normal, mas foi tudo, menos isso. A bolsa rompeu às 17h , mas o médico responsável pelo meu nascimento não estava no hospital e não tinha outro, no momento ele estava em uma chácara, bebendo com amigos. Meu pai começou a ser uma exceção na minha vida desde aquele momento. Falou para enfermeira ligar para o médico e que ele queria conversar com ele "se algo acontecer com a minha filha ou a mãe dela o mesmo vai acontecer com você!". Não demorou muito e lá estava o médico para realizar o parto, eram 23:55 quando finalmente nasci…

Depois de um tempo, minha mãe foi embora, voltou para outra família que tinha em outro estado e meu pai me criou sozinho, seguindo sua sequência de exceções, foi e é pai solo. Duvidaram de sua capacidade e o questionaram algumas vezes, mas ele seguiu tentando e fazendo o melhor para conseguir me dar o melhor.

Desde pequena ele me criou para ser independente, por causa da nossa grande diferença de idade, junto com o fato de estar me criando sozinho, ele sabia que eu deveria estar preparada para tudo. Consciente ou inconscientemente. Além disso, é através do meu pai que desenvolvi meu amor pela terra e meio ambiente, com as plantas que ele sempre cultivou no quintal de casa, com os saberes que ele foi adquirindo com o tempo de vida.

Aos 14 anos descobri o que queria fazer da vida, lutar para que a relação do ser humano com a natureza fosse mais equilibrada. Comecei a procurar sobre cursos e cidades onde eu teria uma boa estrutura e apoio. Ou pelo menos achava que teria...
Com 17 anos decidi estourar a bolha da cidade pequena, meu pai já dizia que estava criando uma filha para o mundo, então botei em prática. Vim morar na cidade de Florianópolis, Santa Catarina, para estudar Engenharia Sanitária e Ambiental na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E tudo mudou!



Não sei explicar, é como se eu pudesse ser eu, sem pressão, sem expectativa. Foi como um caramujo saindo do casulo…

Quando se é uma criança negra, onde todos conhecem sua história e esperam muito de você, isso sempre vai te podar. Nem sempre de propósito, mas isso vai acontecer. Você se sente observada, vigiada e fica difícil de controlar o que é vontade própria e o que os outros querem. Desde então sigo tentando entender o que faz parte de mim, cada peça de quebra cabeça que faz parte do meu ser e essência, como mulher negra, LGBT+, gorda e movida pela dança.

Minha jornada de autodescoberta e luta vem sendo intensa. Nesse meio tempo já morei em diferentes lugares, em uma mesma cidade (acredito que foram 10 lugares diferentes em 5 anos), me envolvi em pautas do movimento negro e luta por permanência estudantil como ativista independente, integrei um grupo de dança afro composto por mulheres negras, fiz voluntariados e participei de coletivos, naveguei através do oceano atlântico, entre outras coisas.

Sigo compondo espaços de luta, compartilhando meu corpo, meu território, para as causas que acredito e fazem parte de mim, sendo a mudança que quero ver no mundo!